Pode dizer-se que a sociedade portuguesa do século XIX é o verdadeiro objecto de observação queirosiana, o pretexto à volta do qual se vai desenvolver toda a obra de Eça de Queirós e na qual ela se insere, bem como o próprio escritor. A minúcia e o rigor, bem como o humor e a paródia são atributos que caracterizam a forma como nos é apresentada a sociedade, retrato fiel de uma época que o autor pretendeu moralizar, descrevendo. Assim, afirma sem rodeios que «os costumes estão dissolvidos e os carácteres corrompidos.» E é essa dissolução que Eça pretende denunciar, utilizando o instrumento que maneja com maior destreza, a sua escrita.
Os temas que Eça de Queirós se propõe tratar manifestam a intenção de relatar os vícios da sociedade, da forma característica do realismo, temas que também eles não são alheios à prática desse género literário.
Este é qualificado pelo autor como um «acto fatal da moral moderna» , decorrente, decerto de uma série de factores entre os quais se destaca a educação recebida. A justificação apontada é o facto de a mulher ser «educada exclusivamente para o amor» . A questão da educação, muito ao gosto queirosiano, será tratada com mior pormenor mais adiante neste trabalho.
Assim, encontramos o adultério como tema principal da intriga de romances como O Primo Bazilio ou Alves & Cª. Outras personagens, secundárias, dentro dos vários romances, vão desfiando histórias de amantes e traições conjugais, como se se tratasse de uma "actividade" institucionalizada no meio social (são disso exemplo a condessa Gouvarinho e Raquel Cohen, n'Os Maias (amantes, respectivamente, de Carlos e de João da Ega) e Leopoldina n'O Primo Bazilio, entre muitos outros).
O tabu fundador das sociedades civilizadas é também um tema muito ao gosto do realismo, com toda a sua natureza grotesca. Encontramos casos de incesto n'Os Maias e n'A Tragédia da Rua das Flores.
É talvez nesta rubrica que se afirma o maior virtuosismo de Eça de Queirós enquanto escritor e excelente conhecedor da sua época.
As descrições das classes que compõem o espectro social oitocentista são verdadeiros tesouros de minúcia, documentos históricos altamente fidedignos, levando, claro está, em conta liberdades literárias e pontos de vista pessoais, bem como o toque de humor tão característico.
A burguesia continua em período de plena ascensão, afirmando-se como classe dominante no comércio, nas letras, na política. Não é, pois, de estranhar que este seja o grupo social mais atingido pela descrição e crítica queirosianas. Relatam-se também as suas relações com os outros grupos sociais. «A classe média (…) abate-se na inércia» «O povo está na miséria»
«A burguesia proprietária de casas explora o aluguel.»
« É sobre o operário, sobre os trabalhadores, sobre o soldado, sobre o pobre que pesa a espoliação.»
As classes sociais desfilam sob os olhos atentos do leitores dos romances de Eça de Queirós. Do conselheiro à empregada, ninguém escapa a esta análise perscrutadora. Mas mais do que um descrição das classes propriamente ditas, Eça mostra-nos os chamados tipos sociais.
É uma geração que se encontra num autêntico marasmo intelectual e físico. Nada cria, nada produz, afectada pela educação e pelo "francesismo", distingue-se pela sua semelhança recíproca: «nos rapazes do Chiado, acha outras diferenças que não sejam o nome e o feitio do nariz?» «(…) homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir (…)» .
O final d'Os Maias apresenta-nos uma excelente descrição deste tipo: «repassavam com um arzinho tímido e contrafeito, como mal acostumados àquele vasto espaço, a tanta luz, ao seu próprio chique.»
A menina solteira não respira, não faz exercício, não come, «os penteados não deixam arejar o crânio».
«Lisboa é a cidade do Universo onde as meninas mais se apertam e se espartilham.» «A moda destrói a beleza e destrói o espírito.»
Subordinadas aos ditames da moda e a ao jugo de uma educação mal conduzida, as raparigas são fúteis e levianas, muitas vezes acabando por ser cúmplices da degradação dos costumes.
São os pequenos capitalistas, novos-ricos, que muitas vezes fizeram fortuna no Brasil, que se passeiam ostentando a sua riqueza recém-adquirida.
«Grosso, trigueiro com tons de chocolate, pança ricaça, joanetes nos pés, colete e grilhão de oiro, chapéu sobre a nuca, guarda-sol verde, a vozinha adocicada, olho desconfiado, e um vício secreto»
Como se vê, a imagem apresentada não é muito favorável, mas coincide com as suas condições materiais de existência.
São, geralmente, bacharéis que concluíram com êxito os seus estudos (normalmente em Coimbra) e cujas únicas pretensões reais são mulheres e fortuna, uma vez que muito facilmente abandonam os seus ideais e projectos de vida. Praticam um diletantismo e um dandismo personificados na figura de Carlos da Maia e mais ainda em João da Ega.
Um tipo muito documentado, desde o cacique da província ao conselheiro da capital. Possuem características diversas, mas identificam-se pelo seu tradicionalismo e conservadorismo. Exibem constantemente uma cultura que supõem acima da média, mas que não passa muitas vezes de um conjunto de conhecimentos balofos e ultrapassados. A título de exemplo refira-se o Gouvarinho, «grave e oco como uma coluna do Diário do Governo.»
Do Conselheiro Acácio, Eça diz que «só por si vale um romance.»
É um grupo bastante representado em toda a obra de Eça de Queirós, como se pôde constatar na parte deste trabalho dedicada à religião.
A generalidade dos personagens eclesiásticos apresentada corresponde a uma personalidade sem grande carácter, mais preocupada com os deveres e prazeres temporais do que espirituais.
A prova a contrario é paradoxalmente a personagem servil com maior relevo na totalidade das obras: Juliana, n'O Primo Bazilio, que vive revoltada com as suas condições de trabalho, com a miséria em que vive, por culpa dos patrões.
Em Portugal, segundo o autor, «a brandura dos costumes faz dos criados uma espécie de membros da família», ao contrário de outros países onde «a classe servil está sempre em rebelião contra as raças dominadoras.»
De facto, encontramos juntamente com a classe mais representada - a burguesia -os seus criados. Disso são exemplo a Ruça d'O Crime do Padre Amaro, Joana n'O Primo Bazilio ou Gertrudes, n'Os Maias, que em dada altura «ficara a observar, acercou-se com as mãos cruzadas sobre o avental branco, familiar, terna» .
Destes três grupos, só o terceiro parece escapar ao miserabilismo, conseguindo ir sobrevivendo com alguma qualidade de vida no campo, onde a vida é salutar. Povo e operários não revelam grande limpeza, sendo esta a característica que se destaca nas parcas caracterizações que encontramos, desleixo que confirma a pobreza e estado de abandono desta classe social. A apatia do povo e do mundo operário, apenas entrevista, parece ser o sinal difuso da decadência de toda a nação.
A segunda metade do século XIX é atingida por inúmeras transformações a nível social, no que diz respeito à mentalidade da burguesia, classe que tem neste período "o seu tempo". Assim, adquirem-se novos hábitos que mostram bem esse desenvolvimento das classes médias, hábitos esses que Eça de Queirós ilustra profusamente nas suas obras. É o caso das idas à praia, designadas como "idas aos banhos", que começam a ser chiques na época, tendo sido até então completamente menosprezadas e consideradas como próprias das classes mais baixas. Encontramos referência a este fenómeno n'A Capital, onde se mencionam as idas à Ericeira e também n'O Crime do Padre Amaro, onde os importantes de Leiria se encontram periodicamente na praia da Vieira para passar a estação.
Não é uma novidade introduzida na segunda metade do século em questão, mas reveste-se, na época, de uma importância considerável. É quase um rito do quotidiano, e como tal não foi esquecido pelo romancista, que coloca inúmeras vezes os personagens neste cenário.
Estes serões são reuniões periódicas, normalmente semanais, em casa de pessoas ilustres. São ocasião de travar conhecimentos desejados e de exibir dotes musicais ou literários.
Os serões podem, então, passar-se à volta do piano, onde alguém mostra o seu talento, como acontece em Alves & Cª., n'A Tragédia da Rua das Flores, n' O Primo Bazilio (onde encontramos muitas vezes Luiza a protagonizar estes serões), n'O Crime do Padre Amaro (em que Amélia é acompanhada à viola por Artur Couceiro) e também n'Os Maias (com Steinbroken).
O jogo também é uma actividade presente nos serões. Em casa de S. Joaneira (O Crime do Padre Amaro) joga-se loto, n'A Capital, em casa de D. Joana Coutinho, joga-se o whist, como n'Os Maias (onde também se joga dominó), além do boston, n'A Ilustre Casa de Ramires.
Encontramos ainda referência à declamação de poesia (Eusebiozinho n'Os Maias e Artur Corvelo n'A Capital, por exemplo).
Normalmente, os serões são pretexto para «reunião, cavaqueira», onde «tomava-se chá e palrava-se».
O aparecimento de clubes é um fenómeno muito característico do séc. XIX, como locais onde se começam a reunir as elites, comerciais, financeiras ou académicas, que aí encontram o local próprio, o "seu" espaço que os distingue de outros grupos. São locais cuja frequência é tomada como sinal de prestígio social.
Eça de Queirós refere-se a alguns clubes, quer para situar personagens e a sua mentalidade, quer para dar o toque de realismo que a menção a sítios reais sempre produz. Dá-nos a conhecer, entre outros, o Clube onde Bártolo tem um voltarete , o Clube da Rua Nova do Carmo , a Sociedade de Geografia e o Grémio.
A ida ao "Passeio Público", troço que actualmente corresponde a um bocado da Avenida dos Restauradores, constitui outro rito social muito em voga no século passado. É lá que se operam uma série de importantes distinções sociais, sendo, no entanto, local privilegiado de encontro da burguesia. Esta passeia-se na alameda central, enquanto os outros vão circulando pelos lados. O Domingo é o dia de todos terem acesso ao Passeio, local de ostentação, como o comprova a criada Juliana: «A sua alegria era ir ao Domingo para o Passeio Público, (…) a mostrar, a expor o pé.» E Eça acrescenta, em jeito irónico, numa descrição que nos pode remeter para o que realmente se passava na altura, «toda a burguesia domingueira viera amontoar-se na rua do meio». Apesar da muita afluência, o escritor nota um clima geral de «abatimento e pasmaceira» .
O "Passeio Público" parece ser o local onde se vai, na Lisboa do século XIX, para se ser visto: «(…)para tapar as bocas do mundo, foram os três para o Passeio Público» . Além do simples passeio e convívio, o "Passeio" contava ainda com animação, de que constavam iluminações e fogo preso. Eça de Queirós parece não ser grande adepto desta actividade lúdica, e qualifica a ida ao "Passeio Público" como «um prazer lúgubre»
O final d'Os Maias situa-se, estrategicamente, no que deixou de ser o "Passeio Público" para ser a Avenida dos Restauradores, com a inauguração do obelisco.
As alusões a alimentação são mais do que muitas na obra literária de Eça de Queirós (Andrée Crabbé Rocha chega a afirmar que «o comer é um motivo obsidiante na narrativa queirosiana») e mostram-nos um Portugal onde se come muito bem, mas onde também se passa fome. De qualquer maneira, prevalecem as descrições da abundância, da qualidade e da diversidade, até porque as obras se referem preferencialmente ao modo de vida burguês.
As menções a comidas e bebidas servem para proceder a distinções sociais, caracterizar grupos sociológicos (como a aristocracia ou o clero, que parece prevaricar constantemente no pecado da gula), opor hábitos alimentares rurais e urbanos, portugueses e estrangeiros (sobretudo n'A Cidade e as Serras). Quanto aos alimentos, a lista extensa de referências (mais de 4100 entradas) vai desde a portuguesa abóbora até ao volaille gaulês. As bebidas constituem um sinal essencialmente codificante e permite estabelecer o respectivo quadro sociocultural, do grogue e champanhe aristocratas ao vinho «emborcado aos copázios» por Juliana, a criada n'O Primo Bazilio.
As refeições são de extrema importância na obra ficcional de Eça de Queirós, chegando-se a contar 15 descrições de refeições completas n'Os Maias.
O vestuário da época aparece muito documentado nas páginas queirosianas, sempre investido de um carácter sociológico. Deste modo, os grupos sociais são caracterizados também com base na sua indumentária, o que ajuda à visualização e inserção no contexto oitocentista.
O léxico utilizado por Eça de Queirós relativo ao vestuário, do qual se pretende aqui dar uma amostra, é vastíssimo. Inclui não só a descrição das roupas, incluindo os materiais de fabrico, mas também toda uma gama de acessórios que assumem grande importância. Assim, o chapéu alto, o fraque, as luvas, os leques e o monóculo (imprescindível ao aristocrata, cuja personificação é Gonçalo Mendes Ramires ou Afonso da Maia) são sinónimos de prestígio social, sinais exteriores de riqueza.
O modo de vestir da burguesia, nas suas várias facções, é o que se encontra mais ilustrado - as senhoras usam sedas (cujo "ruge-ruge se "ouve" ao longo de toda a obra de Eça), veludos, rendas e vidrilhos, enquanto os homens se distinguem pelos sobrecasacas de alpaca e jaquetões.
Salienta-se o cuidado na descrição vestimentar de alguns grupos como os arrivistas, que ostentam a sua posição através de jóias, decotes, sombrinhas e folhos, sendo frequentadores de casa de alta costura ou modistas na moda, como Laferrière ou Madame Levaillant. O vestuário dos políticos também se distingue pelo seu aspecto pomposo, encerado, pleno de coquetterie (exemplificado no Conselheiro Acácio e nos Gouvarinhos).
Este é um domínio que merece um enorme destaque, no entender de Eça de Queirós. Enquanto escritor, bem como enquanto homem, assume-se como um pedagogo genuíno. As considerações que tece a este respeito - e elas são muitas! - encontram-se espalhadas pelos seus romances, artigos de jornal e até cartas. As suas principais preocupações referem-se ao estado da instrução em Portugal, a nível institucional, e ao tipo de formação individual ministrada em casa, desde o berço: «A valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães.»
O país começava a ter em conta também este tipo de questões, muito negligenciadas antes da vitória liberal. São levadas a cabo várias reformas (aliás referidas por Eça ) que contrariam a tendência anterior que entendia que os estudos roubavam mão-de-obra ao trabalho agrícola ou industrial. É empreendido um esforço no sentido de criar estudos intermédios, que esbarra com a oposição da Universidade de Coimbra. Esta instituição continua a ser dominante no Portugal do século XIX, até por ser a única universidade do país até 1911.
A preocupação, partilhada pelo próprio escritor, com o insuficiente número de escolas existentes, é exprimida por personagens sensatas, como Sebastião d'O Primo Bazilio .
A criação do Ministério da Instrução Pública em 1870 e as acções que leva a cabo suscitam alguns comentários pouco abonatórios por parte de Eça de Queirós. Existem somente 2300 escolas em Portugal, o que faz com que quase metade das crianças esteja fora da escola. Além disso, nas escolas que existem, as condições de ensino não são as melhores - há, na óptica de Eça, falta de inspecção, desorganização, além de os professores serem mal pagos - «As escolas são currais de ensino.»
Define o estado da instrução pública em Portugal de forma taxativa: «A instrução em Portugal é uma canalhice pública.» Símbolo desta degradação na instrução pública que começa nos altos dignatários é Sousa Neto, um oficial superior n'Os Maias, que quis saber se em Inglaterra havia literatura.
Este tema é recorrente na obra literária de Eça de Queirós, o que demonstra as suas preocupações a este nível. É notória a forma como as personagens dos seus romances são marcadas pela educação que recebem na infância. Normalmente, a uma educação mal orientada, corresponde uma personagem com uma personalidade débil (é o caso de Eusebiozinho, n'Os Maias, e sobretudo Pedro - este personagem acaba os seus dias suicidando-se, fraqueza de espírito que parece justificada pela educação que recebeu em criança, marcada «pelos braços da mãe que o amoleciam, aquela cartilha mortal do padre Vasques» . É ainda o caso de Amaro, n'O Crime do Padre Amaro), orientado indevidamente para a vida eclesiástica, sem vocação. A educação, conjuntamente com a influência do meio social, influem decisivamente nas características individuais.
A crítica mais ácida de Eça, no que se refere à educação, diz respeito à importância excessiva que é dada a factores como a moda ou o Inferno: as pessoas são «educadas no receio do Céu e nas preocupações da Moda» . Com efeito, várias são as personagens cuja educação orbita à volta das coisas da religião e do supérfluo, de forma pouco salutar.
A primeira preocupação da tia de Teodorico, n'A Relíquia,é saber se ele se sabe benzer.
Também Amélia, protagonista d'O Crime do Padre Amaro, sofre as consequências da «perniciosa influência e uma atmosfera excessivamente carregada por uma falsa concepção de piedade cristã».
Outro aspecto importante no que toca à educação é a oposição que Eça enfatiza entre aqueles que são educados na cidade e osque são educados no campo. Esta questão é abordada n'Uma Campanha Alegre , nas cartas de Eça de Queirós a seus filhos (em que as descrições de paisagens e da vida ao ar livre, bem como o elogio de actividades de descoberta são recorrentes) e também nos romances (basta lembrar a preparação de Carlos da Maia em contraposição com a de Eusebiozinho).
A emigração é uma constante na história de Portugal, desde os primórdios dos Descobrimentos. O escritor não se furta a essa realidade, afirmando que «a emigração, entre nós, é decerto um mal.», provocada pela «miséria, que instiga a procurar en outras terras o pão que falta na nossa.»
A partir de 1855 verifica-se um acentuar do fluxo emigratório, nomeadamente para o Brasil. A este facto não é alheio Eça, que caracteriza finamente aquele que vai em busca de fortuna e volta efectivamente rico , mas que é mal recebido em Portugal, mais exactamente, gozado, constituindo «o grande fornecedor do nosso riso» .
Bazilio, protagonista d'O Primo Bazilio, é um dos que, vendo-se falido no seu país, partiu para o Brasil, de onde volta um autêntico janota. Outros personagens emigram nos romances queirosianos - Gonçalo Mendes Ramires, que parte para Macheque, na Zambézia, e um emigrante desconhecido que parte no início da acção d'A Capital.
Outro tipo de viagens muito em voga no século XIX são as viagens de exploração, numa época em que o exotismo representa um valor fundamental devido ao mal du siècle, o spleen, o tédio. Encontramos várias personagens (além do próprio Eça, que relata a sua jornada ao Oriente n'O Egipto e em muitas notas soltas), nessa situação: Teodorico, n'A Relíquia, que empreende uma viagem pela Terra Santa, Bazilio (d'O Primo Bazilio), que conta à sua prima como esteve em «Constantinopla, na Terra Santa e em Roma.» e também André Cavaleiro, o cacique n'A Ilustre Casa de Ramires, que parte para «Constantinopla, à Ásia Menor»
Encontramos também muitas referências acerca de viagens a Paris, o que faz supor um desenvolvimento considerável nos transportes e um certo bem-estar social de algumas camadas da população.
«Vai-se a Paris, beber do fausto, do luxo.» , destino privilegiado de viagens lúdicas de muitas personagens queirosianas (Carlos da Maia, Bazilio).
O escritor é, antes de mais, um homem, e como tal, tem tendência a glosar insistentemente aquilo que ama, categoria em que se inscreve a literatura. É um tema presente em grande parte dos seus romances e não só. Por um lado, dá-nos uma imagem (muito matizada pela sua ideologia) daquilo que se vai escrevendo em Portugal, nomeadamente revela um debate aceso na sociedade portuguesa do seu tempo, que opõe romantismo e realismo. Por outro lado, inserindo as suas personagens no seu ambiente social e por isso também cultural, dá-nos conta do que se lê no Portugal oitocentista e das relações das leituras com as mentalidades e classes sociológicas.
Eça de Queirós afirma peremptoriamente que «a literatura em Portugal está a agonizar: morre burguesmente e insipidamente(…)» . Desde logo se nota uma crítica cáustica a um certo género literário, mais conotado com literatice. A sua descrição do tipo de escritor responsável por esta decadência é bastante explícita: «poeta delambido, acordas as musas e adormeces a humanidade com rimas chochas e ideias estafadas, e moral do baixo império».
Em Portugal «a literatura - poesia e romance - sem ideia, sem originalidade, convencional, hipócrita, falsíssima, não exprime nada.»«(…) nenhum movimento real se reflecte, nenhuma acção original se espelha.»
Artur Corvelo, n'A Capital, representa o poeta, classificado como portador de uma «anemia intelectual» e de um «lirismo galopante» .
A propósito do romance escrito no país, Eça diz que se trata da «apoteose do adultério», um autêntico «drama de lupanar», sobre o qual «as mulheres estão derramando as lágrimas da sua sensibilidade» . O leitor pode deliciar-se com uma paródia do que se escreve em Portugal, da autoria de Ernestinho Ledesma, uma personagem d'O Primo Bazilio, que se ocupa de uma peça em cinco actos intitulada Honra e Paixão.
O já referido debate entre romantismo e realismo está presente na própria obra de Eça de Queirós. Sendo um autor que denuncia o romantismo decadente, sobretudo com a ideologização provocada pela participação na Geração de 70, ele sente-se também seduzido pelo romantismo humanitário de Antero de Quental. Este debate está inteiramente anotado no célebre episódio do jantar no Hotel Central (n'Os Maias) em que se confrontam Ega, partidário intransigente do realismo naturalista, Tomás de Alencar, personificação do romantismo sentimentalista (que acaba por ser o que mais dura, o mais coerente, fiel a si próprio e aos seus princípios) e onde intervêm também Carlos da Maia e Craft, defensores do idealismo, da "arte pela arte", da forma como manifestação artística suprema.
O registo das obras que se vão lendo em Portugal na época é bastante elucidativo. Para além das alusões e comentários a obras publicadas à data, como a História de Portugal de Oliveira Martins e a História da Inquisição de Alexandre Herculano , referem-se as diversas correntes de gostos e correntes que vão definindo o estatuto das personagens. Nos círculos considerados intelectuais de vanguarda, como é o caso do Clube Republicano, lê-se Proudhon, Juvenal, Comte, Byron, Vigny, Darwin, e considera-se Feliciano de Castilho como «uma ofensa à inteligência» . Este facto denota uma mentalidade que faz a apologia de ideias como o positivismo, evolucionismo, ideais laicos e republicanos, com tendências socializantes. Castilho, juntamente com Figuier e Bastiat, são, no entanto, autores lidos por uma classe instalada, comodista, representada por Jorge n'O Primo Bazilio. A mulher burguesa também tem um tipo de leitura típica, e que por vezes conduz a comportamentos mais ilícitos. Luiza (d'O Primo Bazilio), por exemplo, suspirou na juventude com as aventuras escocesas de Walter Scott e vibra, como mulher adulta, com as venturas e desventuras d'A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. D. Juan não é apreciado por esta burguesia, que o considera como um «livro detestável». Crê-se até «que tem páginas incompreensíveis» . Muitos autores são referidos por Eça, dos quais se destacam Vitor Hugo (que Eça afirma amar "comme une brute" , Lamartine, Babier e Balzac expoentes do romantismo francês.
A ideologia liberal atribui grande importância social ao teatro, empreendendo, por isso, esforços no sentido de dotar o país com as infra-estruturas necessárias ao seu desenvolvimento e manutenção. O teatro é, então, considerado como um dos «elementos mais poderosos da civilização actual».
O mais importante palco nacional é o Teatro de S. Carlos, abundantemente mencionado por Eça de Queirós. Os historiadores afirmam, no entanto, que o seu público permanecia mais ou menos fixo, constituído pela elite das elites dos titulares, altos funcionários, burgueses, todos os que dispõem de lugar na fidalguia, na política, no dinheiro, nas artes e letras. É esta a realidade que vemos espelhada na obra queirosiana. Não se vai ao teatro por causa do espectáculo, mas por causa do convívio social, está-se atento a tudo menos ao que se passa no palco. Desta forma, Eça diz que o teatro «perdeu a sua ideia, a sua significação; perdeu até o seu fim. Vai-se ao teatro passar um bocado da noite, ver uma mulher que nos interessa, combinar um juro com o agiota, acompanhar uma senhora (…)» .
«O teatro em Portugal vai acabando.» As causas apontadas desta decadência são o facto de a literatura teatral se reduzir ao Frei Luís de Sousa, o próprio público (pelos motivos já referidos), os actores que «não pertencem a uma arte, pertencem a um ofício» e à pobreza geral gerada pela falta de subsídios.
Encontramos referências, nos romances, a representações que se realizaram de facto, como O Profeta , O Trapeiro de Paris, no D. Maria , entre outras.
A música atravessa as obras queirosianas, ou melhor, as músicas, ecos de gostos populares ou nacionais, ou sucessos que passam em Portugal, vindos de França ou de Itália. A música assume-se como uma instituição social, afirmando a sua omnipresença no Portugal do século XIX e a sua importância social. É também um tema realista que não escapa à visão crítica de Eça de Queirós.
Em Portugal canta-se o fado. As alusões à canção nacional são mais do que muitas . Parece poder traçar-se a equação realista, segundo a qual fado seria igual a preguiça, lentidão, incúria. Marca também o tempo da espera amorosa e a alegria, culturalmente identificado com o vulgar, banal.
Mas também se dança a valsa , de que alguns exemplos concretos são o "Souvenir d'Andalousie" , as obras de Strauss ou a "valsa do beijo" .
O Teatro de S. Carlos, onde se representaram efectivamente diversas óperas ao longo do século XIX, funciona como eixo do mundo português, centro simbólico da capital. Eça de Queirós refere-se quase sempre a espectáculos reais quando aí situa as personagens.
Os compositores mais mencionados são Gounod, especialmente com Fausto, mas também com Medjé, e Offenbach, com a Grã-Duquesa de Gerolstein (levada à cena em Lisboa em 1873), símbolo de toda a ópera-bufa. Offenbach, muito apreciado pelo escritor, é alvo de algumas considerações, não-ficcionais. O compositor «então triunfava», mas foi mal compreendido: «Ele tem uma filosofia, vós não tendes uma ideia; ele tem uma crítica, vós nem tendes uma gramática.»
A música é um código social, uma linguagem, um meio de comunicação. A sociedade burguesa pretende mostrar-se instruída musicalmente, frequenta as representações das obras de Meyerbeer, mas revela-se profundamente ignorante, quando, por exemplo, troca o nome da Sonata Patética, interpretada por Cruges no sarau do Trindade (n'Os Maias) por Sonata Pateta.
São inúmeras as alusões a títulos de óperas, de árias e peças musicais que encontramos ao longo dos romances e a sua introdução tem sempre um propósito muito concreto, acrescenta em cada altura uma mais-valia de significado.